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terça-feira, 30 de junho de 2009

O carácter dos portugueses segundo Jorge Dias (1971)

A herança cultural do povo português teve influências do exterior, devido á ocupação de vários povos da peninsular ibérica, como por exemplo suevos, visigodos entre outros, sendo a religião um factor basilar na cultura portuguesa, também a expansão marítima impregnou uma substância muito própria á maneira de ser e pensar dos portugueses, através do contacto com outros povos ultramarinos.
O carácter dos portugueses está marcado essencialmente por essa herança cultural, e convém salientar aspectos comparativos como Jorge Dias fez em relação aos outros povos latinos assim como com ingleses e alemães para que a compreensão desse carácter peculiar dos portugueses seja mais evidente e conclusiva.
Como foi citado a expansão marítima portuguesa, fez com que os portugueses assimilassem as diversas culturas nativas e a receptividade foi mais humana e pacifica ao contrário dos espanhóis que primaram pelo extermínio e pela subjugação cruel. A explicação deste facto encontra-se na bondade e carácter amoroso dos portugueses, temos como exemplos a lírica de Camões que canta o amor com um sentimento empolgante e intenso, os sonetos de Flor Bela Espanca e as soluções felizes que Gil Vicente soube dar ás traições conjugais nas suas peças teatrais. O português não gosta de ver e fazer sofrer e actualmente, ainda apreciam um final feliz nos filmes, até mesmo na tourada á portuguesa o touro não morre e vem embolado para não ferir cavalos e toureiros, ao invés, na Espanha o touro é morto em plena arena para delírio dos espectadores.
A chave da colonização portuguesa assenta na simpatia humana e na sua capacidade de assimilação de culturas diferentes fazendo com que o português se adaptasse com relativa facilidade, não repugnou as raças colonizadas pelo contrário miscigenou-se com elas, a título de exemplo; Camões apaixonou-se por uma escrava e escreveu-lhe poesias de amor sentido, o fidalgo D. João de Meneses escreveu um vilancete a uma escrava porque quem sentia grande paixão, ao contrário de subjugar a escrava para a levar a ceder aos seus caprichos, escrevia-lhe poesia. Jorge dias relata que ao folhear um livro de registos de casamentos de portugueses no consulado de Berlim, constatou um elevado número de portugueses casados com alemãs, brasileiras, italianas, francesas e espanholas, concluindo que o português gosta de mulheres de todas as raças. Os portugueses nunca duvidaram da essência humana dos nativos das terras colonizadas, casaram amaram e tiveram filhos, que reconheceram como tal, independentemente da cor e da raças das mães, no entanto, alguns países hoje, ditos como civilizados ignoraram essa essência humana dos nativos e pensavam que os podiam exterminar.
O português é um sonhador, alimenta-se da imaginação e do sonho mas também um homem de acção, não deixando ser pratico e realista, não sendo homem de grandes reflexões é mais idealista e por essa razão não se entende com o abstracto e com grandes ideias que ultrapassam o sentido humano, daí não existirem grandes filósofos e místicos de renome. Falta-lhe o sentido capitalista, pois os tesouros vindos das colónias iam parar aos Ingleses e holandeses, povos mais práticos e com mais sentido de produtividade capitalista, souberam traficar mas não tinham a arte de dar continuidade á riqueza.
A matriz do carácter do português não apresenta fraqueza nem cobardia, ele não é vingativo, e não gosta de soluções que tenham um desfecho trágico, no entanto, quando a sua honra está em causa pode ser cruel e leva-lo a terríveis lutas sangrentas, acontecem por vezes rixas entre vizinhos e amigos mas os homicídios perversos são raros, o mesmo não acontece no norte da Europa onde existem assassínios em série, e psicopatas que com requintes de malvadez trucidam as suas vitimas.

Actualmente, a matriz identitária do carácter dos portugueses está ameaçada, pela globalização anglo-saxónica especialmente pela influência dos Estados Unidos, a perspectiva do enriquecimento fácil a preocupação de conquistar mercados a todo o custo com a intenção de vender o seus produtos, o objectivo de aumentar o poder de compra dos povos, incute assim a necessidade aos indivíduos de adquirir produtos que não têm necessidade. Tudo gira em volta da importância do dinheiro, os valores morais vão se esmorecendo, porque o dinheiro acima de tudo é quem mais ordena. Para o português o coração era a medidas de todas as coisas, mas com esta globalização estado unidense o temperamento cordial dos portugueses vai sendo substituído pela boçalidade e pela estupidificação.

Bibliografia:

DIAS, Jorge (1971) - Estudos de carácter nacional português / por Jorge Dias.- Lisboa : Centro de Estudos de Antropologia Cultural, 1971.- 49 p.; 24 cm.- (Estudos de antropologia cultural 7).- Contém: I. Os elementos fundamentais da cultura portuguesa; II. O carácter nacional português na presente conjuntura Etnopsicologia - Portugal / Identidade nacional - Portugal /Sociologia cultural - Portugal /

sábado, 13 de junho de 2009

Antero de Quental e a decadência dos povos penilsulares

A análise global de Antero de Quental sobre a decadência dos povos peninsulares resume-se, segundo o seu discurso em 1871, em três pilares pecaminosos, castradores da liberdade e do génio do povo ibérico, que alicerçados num catolicismo cruel, teve o seu início no Concílio de Trento, nos finais do século XVI.
Esses três factores capitais foram; a transformação do catolicismo no concílio de Trento, o absolutismo politico com o fim das liberdades individuais e as conquistas guerreiras nas terras colonizadas. Entrelaçando esses três factores capitais, o pensamento, a política e o trabalho foram sendo destruídos, o primeiro pela opressão religiosa, o segundo pelo absolutismo monárquico e o terceiro pelas más orientações das economias nacionais.
Começando pela dissecação desse evento chamado, Concílio de Trento, onde a instituição igreja católica perversamente distorceu a visão do cristianismo, fazendo com que só os Papas pudessem fazer reformas, o voto das nações por cabeça foi alterado, deixou de ser universal e passou a ser representado maioritariamente por bispos e cardeais italianos esses sim, mais do que italianos eram romanos, que serviam o despotismo clerical de Roma, a titulo de exemplo, nesse concílio os votos de Portugal, Espanha, e França e dos estados alemães católicos nunca ultrapassaram os 60, enquanto os votos por parte dos cardeais e bispos italianos superavam os 180.
Também o conceito de pecado original foi introduzido, ficando dogmaticamente estabelecido que para castigar o homem na terra era necessário condena-lo no céu, sendo as vontades próprias do indivíduo aniquiladas e o direito á crítica sujeito a heresia. A idolatria, presente no dogma da eucaristia, sistematizado para levar ao controlo dos crentes e os afastar do paganismo, uma espécie de propaganda sub-reptícia para levar este sistema religioso a ser adorado e glorificado e jamais colocado em causa. Para que os crentes não se desviassem deste caminho do divino, foi introduzida a confissão, mas desta vez obrigatória, no 4.º Concílio de Latrão a confissão era opcional, e sua obrigatoriedade doravante fundamentava-se na impossibilidade da alma, por ela própria, não se poder comunicar com Deus, senão por intermédio de um padre. Daqui resultou que o indivíduo iria ter um director espiritual, um conselheiro religioso que o orientava e cimentava as suas convicções religiosas.
Estavam reunidas as condições para a criação de uma polícia romana, imposta aos governos dos países católicos, a inquisição foi redesenhada, baseando-se em pressupostos desumanos e coadjuvada pela delação que se tornaria numa virtude religiosa.
Os mandamentos emanados do concílio de Trento, embruteceu o povo, subjugou-o, retirando-lhe o seu poder inventivo, os demais diferentes como judeus, árabes e cristãos novos foram expulsos, paralisando assim a indústria e o comércio, e com poder inventivo arruinado a ciência sofre um duro golpe e entra em estagnação. Numas das perguntas de Antero de Quental no seu discurso foi; entre Newton, os Descartes, os Leibniz, os Lavoisier, qual era o nome de um cientista português ou espanhol que também tivesse feito obra no seio da ciência moderna. Insuando uma resposta, afirmou que a Europa culta, referindo-se aos países protestantes, evoluíram, enquanto os povos peninsulares entraram em decadência, pois a ciência é factor determinante no sustendo dos impérios.
O segundo factor capital, mencionado no discurso, foi o absolutismo monárquico, os reis dos países católicos influenciados pelo poder religioso, tornaram-se eles, também, uns seguidores e servidores da política católica romana. Cavalgaram em cruzadas de cariz religioso, sem qualquer interesse produtivo, tudo em nome de uma fé guerreira, exemplificando com a morte em Alcácer Quibir de D. Sebastião, a famosa armada invencível derrotada na tentativa disparatada da conquista da Inglaterra e a guerra dos trinta anos que por rivalidades religiosas quase levou ao aniquilamento da Alemanha.
Era aos governantes que incumbia a tarefa de regência económica de um povo, no entanto, o agricultor abandona a lavoura e torna-se soldado, outros vão em busca do sonho glorioso em terras ultramarinas, por outro lado o êxodo para as metrópoles faz aumentar as miséria e o vício. O abandono das terras, leva a que os preços dos cereais subam e passassem a ser importados do estrangeiro, a miséria espalha-se pelas ruas, mendigos procuram salvação nas casas fidalgas e conventos. A indústria paralisa, pois estava-se á espera do ouro das colónias que era suficiente para enriquecer a indústrias dos outros países, importava-se sedas, veludos, vidro, brocados, massas, panos, cereais, lãs e tecidos da Inglaterra, França, Holanda, estava-se a patrocinar a indústria estrangeira. O trabalhador vira mendigo e lacaio da fidalguia, mas essa vive no ócio, no prazer carnal e no desvario, Lisboa não passa de uma corja de mendigos, rufiões e fidalgos que ostentam riqueza, a decadência instala-se tranquilamente no império, sem obstáculos mas com podridão.
O último factor capital foram as conquistas guerreiras nas terras colonizadas, a expansão ultramarina devolveu um legado que subdesenvolveu a economia e a dignidade humana. Da escravatura não floresce um trabalho produtivo, a produtividade só é atingida através da liberdade dos trabalhadores, converter os povos nativos a uma fé religiosa tendo como castigo o poder torturador da Inquisição somente produz imoralidade e retrocesso económico. O ideal era unir as raças, unir interesses e sentimentos para dominar a violência dos povos nativos, porque as conquistas podem ser justas se forem civilizadoras, o que não aconteceu com os portugueses e espanhóis nas Américas.
Em contrapartida os países protestantes muito diferentes dos católicos, segundo Antero de Quental, solidificaram os seus impérios, a Inglaterra, a Holanda e os Estados Unidos, enquanto, os impérios peninsulares se desvaneceram vítimas dos seus próprios erros. Antero de Quental, diferenciou nitidamente a instituição Igreja católica do Cristianismo, dizendo que: «O cristianismo á sobretudo um sentimento: o catolicismo é sobretudo uma instituição. Um vive da fé e inspiração: o outro do dogma e da disciplina», apontando assim conforme mencionou nas sua frase final, o Cristianismo como a Revolução do mundo moderno.

Antero de Quental, com seu carácter forte de líder, transformou-se no mestre e mentor, inspirador e símbolo da Geração de 70, exprime a revolta e o inconformismo da sua geração perante uma situação social, política e cultural conservadora e retrógrada, fomentada por um romantismo que não conseguiu concretizar os ideais que defendera. A conclusão do seu discurso apelou para uma regeneração do espírito, defendendo uma transformação moral, social e política de Portugal, apontando a situação a que chegou Portugal e explicando quais os factores que levaram a essa degradação.